Até onde temos notícia, é original a
proposta apresentada no texto de analisar o campo da Saúde Coletiva como,
simultaneamente, campo científico (disciplinar) de aplicação tecnológica e de
práticas. Contudo, partindo da definição de campo, e, em especial, do campo
científico, tal como proposta por Bourdieu, nos parece que é possível ampliar a
discussão e conceber o campo da Saúde enquanto campo de disputas entre diversos
campos científicos como: a Biologia, Antropologia, Sociologia,..., além da
própria Saúde Coletiva.
Nessa perspectiva, seria conveniente analisar:
- · Quais as relações existentes entre os diversos campos científicos que têm a saúde como objeto e de que modo estas relações estruturam o campo científico da Saúde?
- · Quais as estratégias utilizadas pelos diferentes agentes?
- · Quem se constitui no polo dominante e no polo dominado ao longo do desenvolvimento histórico do campo?
Conforme nos assinala Bourdieu, a
estrutura do campo, ou seja, a repartição do capital específico entre os
membros de uma dada comunidade científica exerce uma influência determinante
sobre as escolhas e opções de seus membros. Nesse sentido, “O campo científico
é sempre o lugar de uma luta, mais ou
menos desigual, entre agentes desigualmente dotados de capital científico
e, portanto, desigualmente capazes de se apropriarem do produto do trabalho
científico que o conjunto dos concorrentes produz pela sua colaboração objetiva ao colocarem em ação o conjunto dos meios de
produção científica disponíveis”. (Bourdieu: 136).
Portanto, a ordem científica
estabelecida supõe a existência de dominantes (aqueles que detêm maior
quantidade de capital científico acumulado no campo) e os dominados, isto é, os
pretendentes ou novatos (os quais se diferenciam entre si pela relevância do
capital científico acumulado até então). Daí que os interesses e as estratégias
adotadas por cada um deles decorrem, fundamentalmente, da posição que ocupam no
campo. Nesse sentido, seria possível diferenciar entre estratégias de conservação, de sucessão e de subversão.
As estratégias de conservação seriam desenvolvidas pelos dominantes
com a finalidade precípua de manutenção da ordem científica estabelecida da
qual se beneficiam ao ocuparem as posições hierárquicas mais elevadas. As estratégias de sucessão adotadas pelos iniciantes seriam “...
próprias para lhes assegurar, ao término de uma carreira previsível, os lucros
prometidos aos que realizam o ideal oficial da excelência científica pelo preço
de inovações circunscritas aos limites autorizados”. (Bourdieu: 138). Já as estratégias de subversão visariam o questionamento dos princípios
de legitimidade científica vigentes, propondo uma alternativa que se oporia de
maneira irreconciliável à ordem científica instaurada. Esta opção implicaria
num desprezo ao “ciclo das trocas de
reconhecimento que assegura a transmissão regularizada da autoridade
científica entre os detentores e os pretendentes” (Bourdieu: 139), e
consequentemente, num investimento na aquisição de capital científico
significativamente mais elevado, e com expectativa de retorno deste
investimento num prazo consideravelmente maior, pois requereriam, nas palavras
de Bourdieu, “vencer os dominantes em seu próprio jogo”. (Bourdieu: 138).
“Portanto, diversamente de Kuhn, que vê a
manutenção e a ruptura com o paradigma vigente como respostas ao processo de
pesquisa normal, Bourdieu encara a manutenção, o consenso e a ruptura como
parte da estratégia dos agentes na busca de crédito científico. Normas,
valores, consenso e recompensas não são as causas da atividade social, mas os
resultados desta atividade, que existe através das estratégias adotadas pelos
investidores na busca de maximização de capital simbólico. Todos querem
maximizar os lucros, obter, acumular e manter o seu capital científico, a
autoridade/competência científica reconhecida” (Portocarrero, 1994).
Marcelo Dourado
Doutorando do PPGSC
Instituo de Saúde Coletiva-UFBA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU,
P. O campo científico. In:
Ortiz, R. org. Pierre Bourdieu. São
Paulo, Ática, 1983.Cap.4.p.122-55. (Coletânea Grandes Cientistas Sociais, 39).
PORTOCARRERO,
V. (org.) 1994. Filosofia, história e sociologia das ciências I: abordagens
contemporâneas. Editora Fiocruz, Rio de Janeiro. 272 p.
Nenhum comentário:
Postar um comentário